Sábado, 26 de Fevereiro de 2005
O que é que há, pois, num nome?
Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem!
William Shakespear
Sexta-feira, 25 de Fevereiro de 2005
'...besta alguma jamais experimentou a ilimitada e infinitamente inventiva arte do ódio humano. Besta alguma o consegue igualar em alcance e poder.'
Arundathi Roy, in O deus das pequenas coisas
(escritora indiana)
Guardado por zephira às 23:33
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Domingo, 20 de Fevereiro de 2005
'No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...'
Álvaro de Campos
Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2005
'Só quando crescemos, e da animalidade penetramos na humanidade, é que desponta em nós esse fermento da tristeza, por muito tempo indesenvolvido no tumulto das primeiras curiosidades, e que depois alastra-nos, invade-nos todo, torna-se consubstancial como o sangue de nossas veias. Miséria do corpo, tormento da vontade, fastio da inteligência, amargura das desilusões, o orgulho chocando com os obstáculos. Eis a tristeza, caro amigo!'
Eça de Queiroz
Guardado por zephira às 23:48
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Domingo, 13 de Fevereiro de 2005
'Frio,
O mar
Por entre o corpo
Fraco de lutar.
Quente,
O chão
Onde te estendo
E te levo a razão.
Longa a noite
E só o sol
Quebra o silêncio,
Madrugada de cristal.
Leve, lento, nú, fiel
E este vento
Que te navega na pele.
Pede-me a paz
Dou-te o mundo
Louco, livre assim sou eu
(Um pouco mais...)
Solta-te a voz lá do fundo,
Grita, mostra-me a cor do céu.
Se eu fosse um dia o teu olhar,
E tu as minhas mãos também,
Se eu fosse um dia o respirar
E tu perfume de ninguém.
Sangue,
Ardente,
Fermenta e torna aos
Dedos de papel.
Luz,
Dormente,
Suavemente
Pinta o teu rosto a pincel.
Largo a espera,
E sigo o sul,
Perco a quimera
Meu anjo azul.
Fica, forte, sê amada,
Quero que saibas
Que ainda não te disse nada.
Pede-me a paz
Dou-te o mundo
Louco, livre assim sou eu
(Um pouco mais...)
Solta-te a voz lá do fundo,
Grita, mostra-me a cor do céu...'
Pedro Abrunhosa
Guardado por zephira às 22:41
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Sexta-feira, 11 de Fevereiro de 2005
'São como um cristal, as palavras.
Algumas, um punhal,
Um incêndio.
Outras, orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
Barcos ou beijos,
As águas estremecem.
Desamparadas, inocentes, leves.
Tecidas são de luz e são a noite.
E mesmo pálidas
Verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta?
Quem as recolhe?
Assim, cruéis, desfeitas,
Nas suas conchas puras?'
Eugénio de Andrade
Guardado por zephira às 20:26
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Quinta-feira, 10 de Fevereiro de 2005
'Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga,
Quem quase passou ainda estuda,
Quem quase morreu está vivo,
Quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no Outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados.
Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Para os erros há o perdão;
para os fracassos, uma nova chance;
para os amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planeando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.'
(d.a.)
Quarta-feira, 9 de Fevereiro de 2005
'O amor é cego; a amizade fecha os olhos'
Blaise Pascal
Guardado por zephira às 23:45
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Domingo, 6 de Fevereiro de 2005
'Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
E a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente,
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança,
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los,
Primeiro, bem definidos,
Depois, em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.'
Augusto Gil, Luar de Janeiro
Guardado por zephira às 20:14
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Sábado, 5 de Fevereiro de 2005
'O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.'
Fernando Pessoa
Guardado por zephira às 13:42
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Sexta-feira, 4 de Fevereiro de 2005
'Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!'
Florbela Espanca
(Luís Represas)
Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 2005
'A princípio é simples anda-se sozinho
Passa-se nas ruas bem devagarinho
Está-se bem no silêncio e no burburinho
Bebem-se as certezas num copo de vinho
Vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
Dá-se a volta ao medo dá-se a volta ao mundo
Diz-se do passado que está moribundo
Bebe-se o alento num copo sem fundo...
E é então que amigos nos oferecem leito
Entra-se cansado e sai-se refeito
Luta-se por tudo o que leva a peito
Bebe-se come-se e alguém nos diz bom proveito...
Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
Olha-se para dentro e já pouco sobeja
Pede-se um descanso por curto que seja
Apagam-se as dúvidas num mar de cerveja...
Enfim duma escolha faz-se um desafio
Enfrenta-se a vida de fio a pavio
Navega-se sem mar sem vela ou navio
Bebe-se a coragem até dum copo vazio...
E entretanto o tempo fez cinza da brasa
Outra maré cheia virá da maré vaza
Nasce um novo dia e no braço outra asa
Brinda-se aos amores com o vinho da casa...
e vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida'
Sérgio Godinho
Guardado por zephira às 22:30
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